Os Temas da Poesia de Manuel Bandeira
"Estrela da vida inteira.
Da vida que poderia
Ter sido e não foi. Poesia
Minha vida verdadeira"
(BANDEIRA, Manuel.)
Apresentação
A obra de Manuel Bandeira é baseada em sua inquietação com relação às normas e regras. Contraria a poesia tradicional usando a liberdade de expressão e a linguagem coloquial. Trabalha muito bem com a poesia direta, geralmente falando sobre o cotidiano. O afastamento da linguagem pré-modernista permite ao poeta pernambucano expressar o que antes ficava de fora do poema: sua realidade circundante. Essa técnica é, nesse caso, fornecida por uma linguagem mais próxima do leitor. Bandeira é foco de tensão entre o afluxo e a intimidade própria do Romantismo e a projeção inversa para escavar na realidade empírica. Realismo coloquial, poesia da intimidade, linguagem e tempo afetivo entre o mundo externo e o eu . Os sentimentos confluem para a palavra, onde o tempo se paralisa. Exemplo de seu estilo é o poema Poética, uma de suas principais obras. Em versos como “estou farto do lirismo comedido/do lirismo bem comportado”, o ‘eu lírico’ deixa claro seu descontentamento com o ‘normal’, ele quer mudança, liberdade.
Essa trajetória poética de Bandeira revela sua busca constante de novas formas de expressão. A Cinza das Horas, primeiro livro do poeta, traz poemas parnasiano-simbolistas. Carnaval marca o início da libertação das formas fixas e a opção pela liberdade formal, que se tornaria uma das marcas registradas de sua poesia. Bandeira é considerado o mais hábil poeta brasileiro no manejo do verso livre. Nesse livro está o poema "Os Sapos", verdadeiro manifesto de um poeta inconformado e rebelde diante das limitações da estética parnasiana. A partir de Carnaval, toda a obra poética de Bandeira constrói-se em torno de uma progressiva liberdade de expressão. O ritmo dissoluto, cujo título já indica tratar-se de um livro integrado ao espírito modernista, mostra a opção definitiva de Bandeira pelo corriqueiro, pelo cotidiano, como matéria poética.
Libertinagem apresenta alguns poemas fundamentais para se entender a poesia de Bandeira: "Vou-me embora pra Pasárgada", "Poética", "Evocação do Recife", entre eles. No mesmo livro começam a aparecer assuntos que se tornariam freqüentes. Entre eles, o amor, a lembrança de vultos familiares e da infância, o folclore.
Os temas de Manuel Bandeira agrupam-se em torno das preocupações essenciais do espírito humano. Sua linha temática abrange a infância, a dualidade de vida e morte e o amor como temas principais que movem a sua poesia. Como síntese de sua poesia, o poema “Vou-me embora pra Pasárgada” inclui praticamente todos os temas. Foi o poema de mais longa gestação e nele transmite “ a visão e promessa da minha adolescência, -” essa Pasárgada onde podemos viver pelo sonho o que a vida madrasta não quis dar” . A busca de Pasárgada significa ingressar na vida comum, ingressar num mundo em que o poeta não é mais doente. Ao mesmo tempo em que nos oferece a mais ampla irrealidade, há uma aceitação e ânsia do cotidiano. Como parte dessa libertação, amor , representado pela mulher ideal –“ a mulher que eu quero “ – ligada ao desaparecimento do mal da doença, paralelismo estabelecido entre sonho e realidade. Mas a conotação não é apenas espacial liga-se ao tema infância época de felicidade que anseia voltar. Daí a presença do passado através da lenda do mito: “ mando chamar a mãe-d’água “. Em Pasárgada iria satisfazer todas as aspirações recalcadas inclusive e principalmente o amor que a doença impediu. A impossibilidade de realização do sonho é expressa pelo non sens: “ Lá a existência é uma aventura? De tal modo inconseqüente/ Que Joana a Louca de Espanha/ Rainha e falsa demente/ Vem a ser contraparente/ Da nora que nunca tive.”
O Amor
“Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor”
(Arte de Amar BANDEIRA, Manuel)
O amor é tema fundamental na obra de Bandeira. Apresenta-se como sublimação, ternura ou como sentimento eminentemente erótico, ligando vida e morte. O erótico é fato da existência, uma experimentação amorosa procurada e vivida. Apresenta-se como esplendor supremo da realidade, o modo como a realidade imagina e como a imaginação se realiza .É a prova radical do estar no mundo. O transcender-se no ato amoroso faz desaparecer a solidão de ser, de “destino eternamente solitário” (Baudelaire).
O amor, desejo de amar, e ser amado:
• Pode tomar a forma de mulher, neste caso, esta funde-se com a motivação da criação poética. A mulher, campo de realização do amor representa a poesia. Relaciona a emoção poética e o prazer erótico:
Teu corpo claro e perfeito,
Teu corpo de maravilha,
Que possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...
A posse amorosa realiza-se pela palavra, o erotismo passa a estar no tecido de uma linguagem que encontra seu alento na circulação do desejo. Como força estruturante, o erotismo leva o poeta a experimentar os efeitos da palavra para ver até que grau de liberdade ou realização do possível ela pode conduzir. Escrever é, então, a procura experimental do objeto de desejo. Como parte integrante da libertação está o amor, representado pela mulher ideal de “ Vou-me embora pra Pasárgada” – “ a mulher que eu quero” – que se liga ao desaparecimento do mal da doença.
A Infância
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida,
[inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis
[anos
(Madrigal tão engraçadinho. BANDEIRA, Manuel)
Revelação viva e epifânica dessa quadra de felicidade mítica, em que, para além da passagem do tempo, "tudo lá parecia impregnado de eternidade", aflora no poema "Evocação do Recife". Outra obra-prima que Bandeira extraiu da mina dessa sua "Tróada" recifense é o poema "Profundamente",em que o poeta retoma e atualiza um tópico tão antigo como o do ubi sunt, relacionando-o não só com a sua história de vida, mas também com o processo de modernização da sociedade brasileira.
Sabemos, contudo, que a tematização da infância na obra de Manuel Bandeira não se deu apenas mediante o ato de recordar a própria experiência individual. Pois ainda antes destes dois poemas vieram poemas que se assentam na observação do mundo da infância, ou melhor dizendo, poemas em que Bandeira, mais ainda do que observar, compartilha liricamente dos acontecimentos tematizados. Expressivo momento dessa atitude encontra-se no livro O ritmo dissoluto, precisamente nos poemas "Meninos carvoeiros", "Na Rua do Sabão" e ainda "Balõezinhos", que fecha o livro com a imagem dos "menininhos pobres" - presentes na metonímia especular dos "olhos muito redondos" fixos nos "grandes balõezinhos muito redondos" - compondo em torno do vendedor loquaz, numa feira de arrabalde, "um círculo inamovível de desejo e espanto".
".De dois testemunhos dessa aprendizagem do poeta adulto, "Meninos carvoeiros" e "Na Rua do Sabão", é possível acompanhar também um pouco de sua gênese mediante cartas trocadas com Mário de Andrade, já que as de Bandeira foram acompanhadas, por duas vezes, dos manuscritos dos poemas, com variantes bastante interessantes em relação à versão definitiva. Em carta escrita provavelmente no dia 22 de maio de 1923, Mário pede permissão - e já em seguida responde pelo amigo - para publicar "Na Rua do Sabão" no último número da revista Klaxon, e num post scriptum à carta de 7 de junho do mesmo ano lê-se a seguinte observação: "Esqueci de dizer do teu poema 'Os meninos carvoeiros' que só a 'Rua do Sabão' o ultrapassa. é uma delícia."
Em uma leitura inicial poderia fixar como traço comum mais geral aos dois poemas, a "temática" da infância. Mas, num segundo passo, também já seria necessário atentar às diferenças no tratamento lírico que o poeta dispensa à sua observação (não importa se imaginária ou real) dos pequenos trabalhadores de carvoaria e dos acontecimentos protagonizados pelas crianças pobres da rua do Sabão. Vale observar aqui, em primeiro lugar, que o gesto "amorosamente tísico" a que se refere Mário de Andrade evidencia-se com mais intensidade no poema que também considera superior. Entretanto, isto não deve significar que o poeta tenha colocado menos "amorosidade" na observação do trabalho dos carvoeiros, essas "crianças raquíticas" que - a despeito daquilo que o poema silencia - parecem integradas na "madrugada ingênua" e como que fundidas com os "burrinhos descadeirados" que vão tocando: "adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!" Pois tal como nos versos que acompanham a serena ascensão do balãozinho na rua do Sabão, também aqui a empatia do doce poeta com os seres de sua observação realiza-se na qualidade dos versos livres que se amoldam ao ritmo da marcha dos meninos, mais composta na ida, mais dissoluta na volta:
"Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados!"
O poema contém uma precisão vocabular que surpreende por um refinamento que jamais resvala no pedantismo, expressam, já na imanência da linguagem, a profunda empatia do poeta com os meninos carvoeiros, que refulgem ao final na esvoaçante imagem dos "espantalhos desamparados". Tudo isso torna difícil, numa comparação entre os dois poemas, dar privilégio a um ou a outro. Há uma estrutura formal mais elaborada que se verifica no poema "Na Rua do Sabão"; além disso é este que evidencia de maneira mais explícita, como se verá a seguir, o poeta que seria, acima de tudo, "amorosamente tísico".
Na Rua do Sabão
Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!
O que custou arranjar aquêle balãozinho de papel!
Quem fêz foi o filho da lavadeira.
Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de sêda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos...
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame.
Ei-lo agora que sobe - pequena coisa tocante na escuridão do céu.
Levou tempo para criar fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava de côr.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!
Sùbitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o tenteavam.
E foi subindo...
para longe...
serenamente...
Como se o enchesse o soprinho tísico do José. Cai cai balão!
A molecada salteou-o com atiradeiras
assobios
apupos
pedradas.
Cai cai balão!
Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas municipais.
Ele foi subindo...
muito serenamente...
para muito longe...
Não caiu na Rua do Sabão.
Caiu muito longe... Caiu no mar - nas águas puras do mar alto.
Vida e Morte
“Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.”
(Preparação para a morte. BANDEIRA, Manuel)
Em "Preparação para a Morte", em "Estrela da Vida Inteira", Manuel Bandeira demonstra-se um poeta maduro preparado para a morte e para o "aquém túmulo". Poeta moderno, como sabe, as suas poesias transcendem lirismos, capazes de revelar momentos de sua juventude, de seus amores, de suas decepções e finalmente, de seu amadurecimento e espera da morte.
A poética da libertinagem mantém-se viva em suas obras maduras, assim podemos observar que tanto no poema “Preparação para a Morte”, quanto no poema “Canção para a minha morte”, o autor ressalta o seu desejo de morrer, usando a morte como tema principal da sua poesia. A morte para ele é vista como uma fase “madura”, aceitação da velhice.
Em seus poemas contextualiza uma condição,
“Quanto amor pode dar:
Amei sem ser amado,
E sendo amado amei”
O poema mostra uma vontade que o autor tem de morrer, e essa vontade desdobra-se em certeza e disjunção entre vida e morte;e ainda mostra a morte como algo natural, que acontece a todos os homens na hora certa.
Podemos observar no decorrer de sua obra que Bandeira conciliava sua vida prática com a vida artística trazendo para sua poesia uma aparente simplicidade e acessibilidade, usando-se da claridade reveladora da poesia sob as sombras da vida cotidiana. Poesia que simula a vida e acompanha seus ritmos roubando-lhe seus segredos e transmitindo-os para o leitor com maior simplicidade.
Poesia esta que descobre continuamente o segredo da morte e a torna despida de qualquer grandiosidade, deslumbramento que seja atrelado a ela e passa entende-la como algo que se deva conviver sem queixas ou receio.
Sua obra reconstrói um cotidiano repleto de alegrias e desesperos, representadas em corriqueiras imagens poéticas em que o existir é, não só o que acontece ma s também o que pode acontecer misturando verdade e imaginação e realidade e ficção com uma única perspectiva absoluta que é a morte.
Nem o amor nem a morte são constantes de uma ponta a outra na obra de Bandeira: eles se sucedem, justapõem e até coexistem. O combate entre essas duas forças é desigual. O Amor envolve o ser, toma conta de seu íntimo, é luta constante; a morte paralisa e adormece. O passado, com a sua carga conotativa positiva é anti-morte, fiel a um tempo eterno insuscetível de ser corroído pela vicissitude do passar dos dias.
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Olá amigo, belo post. Pena que parou de escrever. Tem Bandeira no meu Blog também. Apareça: lituraterre.com
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